quarta-feira, 3 de maio de 2017

Cybernary

Cybernary

Todos sabem que urnas eletrônicas não são à prova de violações, mas isso não tem importância pois é o próprio governo quem as viola para escolher o presidente que deve assumir o novo mandato. Sejam as falhas de segurança nos sistemas eletrônicos das urnas, os adversários que afirmam que as urnas foram violadas em prol de determinado candidato, ou o próprio partido oposto que insiste em dizer que as eleições foram manipuladas, mas nada disso importa. O que realmente importa é a opinião pública, e é o povo quem tem a verdadeira força sobre o governo. Ou ao menos é o que o povo acha, com o governo mantendo as aparências de que tudo está bem, que seu novo governante é alguém íntegro no qual se deve confiar e assim manter a massa adormecida, anestesiada, sem se preocupar em como e por que são manipuladas, pois eles não sabem que estão.
Foi por causa da opinião pública que Todd fora contratado. Eles não disseram quem eles eram, de onde vieram e qual a finalidade de tudo aquilo. Todd só sabia que eram dois homens, com ar de militares, vestindo ternos e gravatas pretos e óculos escuros, estavam contratando-o para evitar que um grupo internacional de hackers divulgasse emails comprometedores do candidato e futuro presidente Howard Shepard, o novo “Queridinho da América”.
Jovem, no alto de seus trinta e cinco anos, perdendo em idade somente para Kennedy quando subiu à presidência, Howard é um jovem pai de família que conquistou o sucesso profissional com negócios de seguros e tecnologia limpa. Pai de dois jovens filhos e casado desde os vinte e cinco anos, ele leva a fama de um pai exemplar e um modelo a ser seguido no mundo dos negócios. Mas o que poucos sabem, na verdade quase ninguém, são informações obscuras, de atos cometidos pelo jovem Howard até pouco depois de seu casamento. Acontecimentos que, se caírem no conhecimento público, acabariam com a vida profissional e pessoal do jovem futuro presidente.
Estas informações foram roubadas por hackers, que conseguiram se infiltrar no banco de dados de classificação super sigilosa do governo e ameaçam colocar tudo na internet, a fim de abalar e destruir a imagem do candidato. Mas você se pergunta, por que o governo faria de tudo para manter a imagem de um candidato a presidente se nem mesmo começaram as eleições? Simples! O primeiro motivo é que há uma tradição “não escrita” no governo em que os presidentes representantes de cada partido intercalam o poder, ou seja, nunca um candidato republicano sucede um presidente republicano, assim como um candidato democrata nunca sucede outro democrata. A intercalação de mandatos entre os partidos é uma lei velada. O segundo motivo, e certamente o mais importante, eu particularmente não sei, mas sei que ele está entre os dados descobertos pelos hackers e com certeza beneficiará o governo. Todd, contudo, não quer saber os motivos. Ele só aceitou este trabalho pela quantia milionária que lhe foi prometida.
Semanas se passaram desde que o departamento de segurança do governo houvesse descoberto que as informações foram roubadas, até o dia do primeiro contato dos hackers, exigindo uma grande quantia para que as informações não fossem divulgadas. Todd fora contratado exatamente mesmo dia em que o roubo foi descoberto, dando a ele uma margem de  algumas semanas para investigar e descobrir um jeito de impedir que os hackers divulgassem as informações. Ele conseguiu, e seu plano era relativamente simples.
Todd, com a ajuda de um pequeno destacamento da inteligência do governo, conseguiu triangular a área onde um dos hackers se localizava. Grande parte do trabalho seria fácil, sentado na frente de um computador, invadindo servidores e programando softwares de busca e eliminação de arquivos em servidores e máquinas. A parte difícil era invadir fisicamente o computador utilizado para o roubo das informações. Tecnicamente, Todd deveria invadir o porão da casa da mãe do nerd gordo que achou que ganharia um bom dinheiro extra fazendo um trabalho simples de roubo de documentos governamentais para um grupo de cyberterroristas. Antes fosse só invadir tal porão! A entrada da casa foi fácil, “coincidindo” meticulosamente com o horário do culto da igreja da dona da casa. Todd só não contava com a posse ilegal de uma pistola magnum modelo 2020 de Wilburn, o hacker que curiosamente batia com a imagem mental estereotipada que Todd lhe havia dado. Todd fora proibido por seus contratantes de assassinar o hacker, o que para ele foi um alívio pois nunca havia matado ninguém. Para sua segurança pessoal, os seus contratantes lhe emprestaram uma arma não letal, com um projétil em forma de pequeno dardo que, ao atingir o alvo, libera constantes choques elétricos, impedindo-o de se movimentar até que o dardo seja removido ou até sua bateria terminar, o que não aconteceria dentro de muitas horas.
Os dois disparos dados por Wilburn atingiram o braço eletrônico de Todd, avariando-o levemente, causando apenas algumas falhas em componentes de certas funcionalidades mas, o mais importante, salvando sua vida. Já Todd fez bom proveito de seu único disparo do dardo-taser para que o imenso hacker permanecesse no chão, como se estivesse convulsionando em tempos de cinco em cinco segundos.
O computador de Wilburn, ou ao menos o que certamente teria sido utilizado para o roubo dentre os quatro que se espalhavavam pela grande mesa, era um modelo antigo da Apple de tubo, modificado para um sistema operacional opensource, mais fácil de se invadir outros sistemas e mais difícil de ser invadido, dependendo das habilidades do programador.
Do pulso de Todd saiu uma conexão USB, que foi conectada ao computador e automaticamente passou a rodar o software criado excepcionalmente para essa ocasião. Em pucos minutos o software encontrou os arquivos, agrupando todas as cópias em um único disco rígido e escaneando todas as transferências de dados que correspondessem aos tamanhos dos arquivos secretos. Ao enviar uma mensagem previamente programada em nome de Wilbur, ou FunyFace, como ele era conhecido na internet, uma cópia do software seria baixado junto com os cookies da página de email nos computadores daqueles que recebessem a mensagem, infiltrar-se no sistema operacional e, novamente, agrupar os arquivos semelhantes aos dados roubados, escanear e enviar mensagens para todos os contatos que receberam arquivos semelhantes. Depois que os dados foram agrupados, Todd pegou um flashdrive vermelho barato da mesa, inseriu-o na entrada do Apple, formatou-o, copiou todos os dados e em seguida deu procedimento à programação do software, que era superaquecer o disco rígido até que ele queimasse.
Todd esperou por mais algumas doses de choque no hacker até que ele estivesse grogue, para remover o dardo e fugir da casa. Wilburn permaneceu deitado por muito tempo após Todd ir embora.
De volta em casa, Todd apagou todos os dados de seu computador que o ligassem ao seus contratantes e aguardou que eles entrassem em contato, assim como constava em seu contrato verbal. A ligação mental recebida pelo implante no cérebro de Todd informava um contato desconhecido. A voz modificada eletronicamente informava o local de encontro, no píer abandonado da cidade velha.
No píer, Todd aguardava já a quase uma hora. Era uma fria meia noite quando o carro sedan preto com parachoques e parabrisas cromados se aproximou dele, parou à sua frente e abriu a janela do passageiro. Da escuridão de dentro do carro saiu uma mão, vestindo uma luva negra, segurando um envelope. Todd pegou o envelope e guardou no bolso, enquanto do outro bolso, retirava outro envelope amassado. De dentro do envelope amassado, ele retirou e mostrou um flashdrive cromado.
“Está tudo aqui”
“Precisamos confirmar?”
“Só se vocês quiserem perder tempo”
A mão enluvada pegou o flashdrive. Todd estendeu também o revolver com a bala-taser, que foi também recolhida ligeiramente, e o carro arrancou cantando pneu.
De volta em casa, Todd abriu o envelope que havia recebido. Números e senhas de diversas contas internacionais e valores com cifrões ao lado de cada um dos números. No internet banking de uma das contas, lá estava o valor exato discriminado no papel: duzentos mil dólares. Uma pequena parte do total que constava descrito no envelope.
Todd lidava com trambiqueiros de todos os tipos e sabia que o governo era só mais um deles. Não é à toa que Todd era o melhor Cyber Mercenário do mundo.
Naquela noite ele não estava com sono, portanto, não lhe faria nenhum mal conferir conta por conta, confirmando os depósitos, nervoso pelo perigo que correu, mas relaxando com o manusear da mão esquerda com um flashdrive vermelho barato.

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